Enquanto caminhamos rapidamente pela neve, olho ansiosamente para o céu escurecendo, sentindo o tempo pressionar. Dou uma olhada para trás por cima de meu ombro e vejo minhas pegadas na neve, além delas, vejo Ben e Rose em pé, balançando com o barco, nos observando de olhos arregalados. Rose segura Penélope, igualmente assustada. Penélope late. Eu me sinto mal pelos três ali, mas sei que nossa missão é necessária. Sei que vamos pegar suprimentos e alimentos que serão úteis para nós, também sinto que temos uma boa vantagem sobre os comerciantes de escravos.
Eu corro em direção ao galpão enferrujado, coberto de neve e abro sua porta retorcida com um baque, rezando para que o caminhão escondido ali, há anos, ainda esteja lá. Era uma picape velha e oxidada, em péssimo estado, mais sucata do que um carro realmente, com apenas um oitavo do tanque de combustível restando. Eu a encontrei um dia por acaso, andando pela Rota 23 e decidi escondê-la aqui, perto do rio, caso um dia precisasse dela. Lembro-me de ter ficado surpresa ao ver que ainda dava para dirigi-la.
A porta do galpão se abre com um rangido e ali está ela, escondida exatamente onde eu a deixei, ainda coberta com feno. Meu coração se enche de alívio. Dou um passo para frente e tiro o feno, minhas mãos congelam quando toco o metal gelado. Vou para a parte de trás do galpão e abro as portas duplas do celeiro, o local se enche de luz.
“Belas rodas,” Logan diz, andando por trás de mim, examinando o veículo. “Tem certeza que ainda anda?”
“Não,” eu respondo. “Mas a casa de meu pai fica a uns trinta quilômetros daqui, não podemos exatamente ir escalando.”
Posso ver pelo seu tom de voz que ele realmente não quer participar desta missão, que ele quer voltar para o barco, continuar indo rio acima.
Sento no banco do motorista e procuro pela chave no chão. Finalmente a encontro, estava bem escondida. Eu a coloco na ignição, respiro fundo e fecho meus olhos.
Por favor, Deus. Por favor.
A princípio, nada acontece. Meu coração aperta.
Eu giro a chave de novo e de novo, virando a chave completamente para a direita e, aos poucos, o motor começa a pegar. No começo, é apenas um som baixo,como se fosse um gato moribundo. Mas eu continuo girando a chave e, eventualmente, o som vai ficando cada vez mais alto.
Vamos, vamos.
O motor finalmente pega, roncando alto. Ele engasga e faz barulhos estranhos, está claramente nas últimas. Mas, pelo menos, está funcionando.
Não consigo evitar um sorriso, cheio de alívio. Está funcionando. Está realmente funcionando. Vamos conseguir chegar em casa, enterrar minha cahorra, pegar alimentos. Sinto como se Sasha estivesse nos observando lá de cima, nos ajudando. Talvez meu pai também esteja.
A porta de passageiro se abre e Bree entra, eriçada de animação, se lançando sobre o banco de vinil ao meu lado, Logan se senta ao lado dela e fecha a porta, olhando fixamente para frente.
“O que você está esperando?” ele diz. “O tempo está passando.”
“Você não precisa repetir,” eu respondo, igualmente seca.
Ponho em marcha e começo a acelerar, saindo do galpão e entrando na neve, sob o céu noturno. A princípio, os pneus ficam encalhados na neve, mas eu acelero mais e faíscas saem quando conseguimos avançar.
Nós continuamos seguindo, fazendo curvas com os pneus carecas, atravessando um campo desnivelado, somos sacudidos o tempo inteiro, em todas as direções. Mas vamos em frente, que é a única coisa que importa agora.
Logo, chegamos a uma pequena estrada de terra. Que bom que a neve foi derretendo ao longo do dia – se não, não iríamos conseguir.
Começamos a pegar uma boa velocidade. O caminhão me impressiona, me tranquilizando à medida que o motor esquenta. Alcançamos quase 50 km/h seguindo pela rota 23 na direção leste. Continuo pisando até que passamos por um buraco, o que eu lamento muito. Todos nós gememos ao batermos nossa cabeça no teto. Eu desacelero um pouco, os buracos são quase impossíveis de serem vistos na neve, eu havia me esquecido de como estas ruas ficaram ruins.
É estranho estar de volta a essa estrada, em direção ao local aonde um dia fora meu lar. Estou refazendo o caminho de quando persegui os comerciantes de escravos, memórias vêm à tona. Lembro-me de correr aqui, de motocicleta, achando que iria morrer, tentando não pensar sobre isso.
No caminho, passamos pela enorme árvore derrubada na estrada, agora coberta de neve. Eu a reconheço como a árvore que foi derrubada no meio do meu caminho, aquela que foi abatida para bloquear o percurso dos comerciantes de escravos, por algum sobrevivente desconhecido que estava nos observando. Não deixo de imaginar se ainda há outras pessoas por aqui, sobrevivendo, talvez nos espionando. Olho atentamente para as árvores, de um lado para o outro. Mas não encontro nenhum sinal.
Estamos indo rápido e, para o meu alívio, nada deu errado. Mas eu não acredito ainda. É quase como se tudo estivesse fácil demais. Olho para o ponteiro de combustível e vejo que ainda não usamos muito, mas também não sei o quão confiável esse medidor ainda é; e, por um momento, me pergunto se teremos gasolina suficiente para ir e voltar. Penso se não tentar essa missão não fora uma péssima ideia.
Finalmente deixamos a estrada principal e entramos na estreita estradinha de terra que irá nos levar montanha acima, para a casa de papai. Estou ainda mais ansiosa agora, enquanto ziguezagueamos pelo caminho, os penhascos repentinamente se abrem a minha direita. Eu dou uma olhada para o lado e não deixo de notar que uma vista incrível se estende por todas as montanhas Catskill. Mas o penhasco é íngreme e a neve está mais grossa aqui em cima, sei que, um movimento errado, uma derrapagem errada e este monte de sucata enferrujada cai.
Para minha surpresa, o caminhão está aguentando. É como se fosse um buldogue. Logo já teremos passado pelo pior e, quando faço uma curva, avisto nossa antiga casa.
“Olhem! A casa de papai!” Bree grita, sentando-se com entusiasmo.
Estou muito aliviada em vê-la também. Estamos aqui, chegamos rápido.
“Olhe,” eu digo para Logan, “não foi tão ruim.”
Porém, Logan não parece aliviado; sua cara se contorce em uma careta enquanto ele olha para as árvores.
“Chegamos aqui,” ele resmunga. “Mas ainda não voltamos.”
Típico. Se recusa a admitir que estava errado.
Estaciono em frente a nossa antiga casa e vejo as antigas pegadas do comerciante de escravos. Isso me traz todas as memórias de volta, todo o pavor que senti quando eles sequestraram Bree. Eu me aproximo dela e ponho meu braço ao seu redor, abraço-a com força, nunca mais irei deixá-la longe de vista.
Corto a ignição e todos nós saímos ao mesmo tempo, vamos rapidamente em direção a casa.
“Desculpe-me se estiver tudo uma bagunça,” eu falo para Logan quando passo por ele e fico na frente da porta. “Eu não estava esperando convidados.”
Apesar da situação, ele reprime um sorriso.
“Ha ha,” ele diz, sem emoção. “Devo tirar os sapatos?”
Senso de humor. Estou surpresa.
Quando abro a porta e entro, qualquer sinal de humor que eu havia sentido desaparece. Quando vejo o que está diante de mim, meu coração se desespera. Ali está Sasha, deitada, seu sangue já está seco, seu corpo já está duro e congelado. A alguns metros dela, está o cadáver do comerciante de escravos que ela havia matado, também congelado, caído no chão.
Olho para a jaqueta que estou vestindo – a jaqueta dele – as roupas que estou usando – as roupas dele – minhas botas – suas botas – e tenho uma sensação esquisita. Quase como se eu fosse sua cópia.
Logan olha para mim e deve pensar a mesma coisa também.
“Você não quis pegar as calças?” ele pergunta.
Olho para baixo e me recordo que eu não quis. Era demais.
Balanço minha cabeça.
“Que besteira,” ele fala.
E, agora que ele diz isso, percebo que tem razão. Meu jeans velho está molhado e frio, grudado em mim. E, mesmo que eu não queira suas calças, talvez Ben queira. É um desperdício jogá-las fora, afinal, estão em perfeito estado.
Ouço um choro abafado e vejo que Bree está parada, olhando para Sasha. Meu o coração se parte ao vê-la assim, sofrendo, olhando para sua cachorra morta.
Dirijo-me até ela e ponho um braço ao seu redor.
“Está tudo bem, Bree,” eu digo. “Não fique olhando.”
Eu lhe dou um beijo em sua testa e tento fazer com olhe para outo lado, mas ela me evita com uma surpreendente força.
“Não,” ela fala.
Ela dá um passo para frente, se abaixa e abraça Sasha, no chão. Ela a envolve em seus braços e então lhe beija a testa.
Logan e eu trocamos olhares. Nenhum de nós sabe o que fazer.
“Não temos tempo a perder,” Logan fala. “Vocês precisam enterrá-la e ir em frente.”
Eu me ajoelho ao seu lado, me abaixo e acaricio a cabeça de Sasha.
“Vai ficar tudo bem, Bree. Sasha está em um lugar melhor agora. Está feliz. Você está me ouvindo?”
Lágrimas escorrem de seus olhos quando ela se endireita, respira fundo e limpa seu rosto com as costas de suas mãos.
“Não podemos deixá-la aqui, assim,” ela fala. “Temos que enterrá-la.”
“Nós vamos,” eu afirmo.
“Não conseguirão,” Logan fala. “O chão está congelado.”
Fico em pé e olho para Logan, mais aborrecida que nunca. Especialmente porque percebo que ele está certo. E eu deveria ter pensado nisso antes.
“Então, o que você sugere?” pergunto.
“Não é da minha conta. Vou ficar de guarda ali fora.”
Logan se vira e sai da casa, batendo a porta ao sair.
Olho para Bree, tentando pensar rápido.
“Ele está certo,” eu falo. “Não temos tempo para enterrá-la.”
“NÃO!” ela chora. “Você prometeu. Você prometeu!”
Ela está certa. Eu prometi mesmo. Mas não havia pensado nos detalhes. A ideia de deixar Sasha desse jeito, aqui, me mata. Mas também não posso arriscar nossas vidas. Sasha não iria querer isso.
Então, tenho uma ideia.
“Que tal o rio, Bree?”
Ela se vira e olha para mim.
“E se nós lhe fizéssemos um funeral na água? Sabe, tipo quando fazem com os soldados que morreram com honra?”
“Que soldados?” ela pergunta.
“Quando os soldados morrem no mar, às vezes, eles são enterrados no mar também. É um funeral de honra. Sasha amava o rio. Tenho certeza de que ela estaria feliz lá. Podemos levá-la conosco e nos despedir dela no rio. Pode ser?”
Meu coração palpita enquanto espero por uma resposta. O tempo está se esgotando e eu sei como Bree pode ser intolerante se algo significa muito para ela.
Para meu alívio, ela concorda.
“Tudo bem,” ela fala. “Mas eu vou carregá-la.”
“Acho que ela é pesada demais para você.”
“Não vou a não ser que eu a carregue,” ela diz, seus olhos brilhando de determinação, me encarando, com as mãos na cintura. Posso ver que ela não vai aceitar nenhuma outra possibilidade.
“Tudo bem,” eu falo. “Você pode carregá-la.”
Nós duas erguemos Sasha do chão e, então eu olho pela casa à procura de qualquer coisa que possamos levar. Vou até o corpo do comerciante de escravos, tiro suas calças e, ao fazê-lo sinto algo em seu bolso traseiro. Fico ansiosa ao descobrir algo maciço e metálico dentro. Tiro um pequeno canivete. Fico feliz em tê-lo e o guardo no meu bolso.
Faço uma rápida revista pelo resto da casa, correndo de quarto em quarto, procurando por qualquer coisa que possa ser útil. Encontro alguns sacos de estopa velhos e pego todos eles. Abro um deles e coloco o livro favorito de Bree, A Árvore Generosa e a minha cópia de O Senhor das Moscas. Corro até um armário, pego as velas remanescentes e os fósforos e também os coloco no saco.
Vou até a cozinha e depois até a garagem, as portas ainda escancaradas de quando os comerciantes de escravos invadiram. Espero desesperadamente que eles não tenham tido tempo de procurar na parte de trás, no fundo da garagem, pela caixa de ferramentas. Eu a escondi bem, em um vão da parede, vou desesperadamente procurá-la e fico aliviada de encontrá-la. É muito pesada para eu carregar sozinha e então a abro e dou uma olhada rápida, vou pegando qualquer coisa que eu ache útil. Um pequeno martelo, chave de fenda, uma pequena caixa de pregos. Encontro uma lanterna com bateria dentro. Faço um teste e ainda está funcionando. Pego mais um pequeno alicate, uma chave inglesa e fecho a caixa, estou pronta para partir.
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