Godfrey, Akorth, Fulton, Merek e Ario, vestindo os mantos dos Finianos, caminham atentos pelas ruas brilhantes de Volúsia, em grupo e muito tensos. A bebedeira de Godfrey já havia passado há muito tempo e ele caminha pelas ruas desconhecidas da cidade com os sacos de ouro pendurados em sua cintura se amaldiçoando por ter se oferecido para ir naquela missão ao mesmo tempo em que pensa sobre o que deve fazer a seguir. Ele daria qualquer coisa por uma bebida naquele momento.
Que ideia terrível ele havia tido ao decidir ir até ali. Por que ele tinha tido aquela atitude estúpida de bravura? O quê é mesmo a bravura? ele se pergunta. Um momento de paixão, de abnegação e de loucura. Aquilo tudo deixa sua garganta seca, faz seu coração bater acelerado e suas mão tremerem. Ele odeia aquela sensação, odeia cada segundo daquilo. Ele deveria ter mantido sua boca fechada. A bravura simplesmente não combina com ele.
Ou será que combina?
Ele já não tem certeza de mais nada. Tudo o que Godfrey sabe é que ele quer sobreviver, viver, beber, estar em qualquer lugar exceto ali. O que ele não daria por uma cerveja naquele momento. Ele é capaz de trocar o ato mais heróico do mundo por uma cerveja.
"E quem exatamente nós vamos comprar?" pergunta Merek, aproximando-se de Godfrey enquanto eles caminham pelas ruas.
Godfrey pensa.
"Precisamos de alguém no exército deles," ele finalmente diz. "Um comandante. Alguém não muito importante. Apenas importante o suficiente. Alguém que se importe mais com o ouro do que com a violência."
"E onde vamos encontrar alguém assim?" Ario pergunta. "Não podemos simplesmente entrar nos quartéis deles."
"Pela minha experiência, há apenas um lugar confiável onde é possível encontrar alguém de princípios questionáveis," declara Akorth. "Nas tavernas."
"Agora você está falando a minha língua," Fulton comenta. "Finalmente alguém começa a fazer sentido."
"Essa é a pior ideia que eu já ouvi," retruca Ario. "Parece que você só está interessado em beber."
"Bem, eu realmente quero," Akorth responde. "E que mal há nisso?"
"O que você acha?" Ario responde. "Acha que vamos entrar na taverna, encontrar um comandante e conseguir comprá-lo? Acha que vai ser simples assim?"
"Bem, o garoto finalmente tem razão sobre algo," interrompe Merek. "Essa é uma péssima ideia. Eles vão dar uma única olhada em nosso ouro, irão nos matar e nos roubarão."
"E é por isso que não levaremos o ouro," responde Godfrey decidido.
"O quê?" pergunta Merek, virando-se na direção dele. "O que vamos fazer como ele, então?"
"Escondê-lo," Godfrey responde.
"Esconder todo esse ouro?" Ario pergunta. "Você está louco? Trouxemos muito ouro, Isso é o suficiente para comprar metade dessa cidade."
"E é precisamente por isso que vamos escondê-lo," explica Godfrey, acostumando-se com a ideia. "Encontraremos a pessoa certa, pelo preço certo, uma pessoa em quem podemos confiar, e então a levaremos até o ouro."
Merek dá de ombros.
"Esse é um plano furado. Está indo de mal a pior. Nós seguimos você até aqui, sabe-se lá porque, e você está nos levando para os nossos túmulos."
"Você me seguiu porque você acredita na honra e na coragem," Godfrey responde. "Você me seguiu porque, a partir daquele momento, nos tornamos irmãos. Irmãos na bravura. E irmãos não se abandonam."
Os outros ficam em silêncio enquanto eles caminham e Godfrey fica surpreso consigo mesmo. Ele ainda não compreende completamente esse seu lado que surge de vez em quando. Aquele é seu pai falando através dele? Ou é ele mesmo?
Eles fazem uma curva, a cidade de desdobra diante deles e Godfrey fica mais uma vez espantando com a beleza de Volúsia. As ruas, cobertas de ouro, interligadas pelos canais repletos de água do mar e completamente iluminadas, refletem o brilho das luzes e o deixam temporariamente cego. As ruas estão movimentadas e Godfrey assimila o movimento da multidão. Ele é empurrado mais de uma vez e toma cuidado para manter sua cabeça abaixada para não ser detectado pelos soldados do Império.
Há soldados marchando em todas as direções, vestindo armaduras de todos os tipos e misturados aos nobres do Império e aos cidadãos, homens enormes com a facilmente identificável pele amarela e os pequenos chifres, muitos deles com barracas, vendendo suas mercadorias ao longo das ruas de Volúsia. Godfrey também vê, pela primeira vez, as mulheres do Império, tão altas quanto os homens e com os mesmos ombros largos, quase tão grandes quanto alguns dos homens do Anel. Seus chifres são mais longos, mais pontudos e brilham em um tom azul claro. Elas parecem ser mais selvagens do que os homens. Godfrey não quer se envolver em uma briga com uma daquelas mulheres.
"Talvez possamos dormir com algumas mulheres enquanto estivermos aqui," diz Akorth com um arroto.
"Acho que elas vão preferir cortar o seu pescoço," responde Fulton.
Akorth dá de ombros.
"Quem sabe elas façam as duas coisas," ele fala. "Pelo menos eu morreria um homem feliz."
Quando a multidão se torna mais densa, à medida que abre caminho pelas ruas da cidade, transpirando e tremendo de ansiedade, Godfrey se esforça para permanecer forte, para ter coragem, para pensar em todas as pessoas daquela aldeia e em sua irmã, que precisa de sua ajuda. Ele considera os oponentes que aquelas pessoas têm que enfrentar. Se ele tiver êxito em sua missão, talvez ele possa fazer a diferença, talvez ele possa realmente ajudá-los. Aquela não é a estratégia gloriosa e corajosa de guerra de seus irmãos, mas é o seu jeito e é a única forma que ele conhece de fazer as coisas.
Ao fazerem uma curva, Godfrey olha para a frente e vê exatamente o que ele está procurando: ali, adiante, um grupo de homens sai de um prédio, lutando entre si à medida que um grupo se forma em torno deles para assistir a briga. Eles dão socos e cambaleiam de um modo que Godfrey reconhece imediatamente: eles estão bêbados. Bêbados, ele pensa, têm a mesma aparência em qualquer lugar do mundo. Eles fazem parte de uma fraternidade de tolos. Ele identifica um pequeno estandarte negro exposto acima do estabelecimento e sabe imediatamente do que se trata.
"Ali," Godfrey diz, como estivesse olhando para Meca. "É exatamente daquilo que precisamos."
"Aquela é a taverna mais limpa que eu já vi," diz Akorth.
Godfrey nota a fachada elegante e se sente inclinado a concordar com ele.
Merek dá de ombros.
"Todas as tavernas são iguais por dentro. Os frequentadores desse lugar serão tão bêbados e estúpidos aqui quanto em qualquer outro lugar."
"Exatamente o meu tipo de gente," responde Fulton, lambendo os lábios como se já pudesse sentir o sabor da cerveja.
"E como vamos chegar até lá?" Ario pergunta.
Godfrey olha para baixo e percebe por que ele está fazendo aquela pergunta: a rua termina em um canal. Não há como andar até lá.
Godfrey vê uma pequena embarcação se aproximar com dois homens do Império, vê quando eles saltam para fora e amarram o barco em um poste com uma corda, deixando-o ali enquanto caminham na direção da cidade sem nunca olhar para trás. Godfrey vê a armadura que um deles veste e conclui que eles são oficiais e não precisam se preocupar com seu barco. Eles claramente sabem que ninguém é tolo o suficiente para ousar roubar o barco de um oficial.
Godfrey e Merek trocam olhares audaciosos ao mesmo tempo. Grandes mentes, Godfrey pensa, andam em sintonia, ou pelo menos as mentes que já tinham alguma experiência com calabouços e becos escuros.
Merek dá um passo adiante, remove a adaga de sua cintura e corta a corda; um de cada vez, eles sobem na pequena embarcação. Godfrey se inclina para trás e empurra o barco para longe da doca.
Eles deslizam pelo canal e Merek pega o remo comprido, pondo-se a remar.
"Isso é loucura," diz Ario, olhando para trás à procura dos oficiais. "Eles podem voltar a qualquer momento."
Godfrey olha para a frente e assente.
"Então é melhor remarmos mais rápido," ele responde.
Volúsia fica parada no meio do deserto sem fim cujo solo rachado e seco parece pedra sob seus pés e olha para a frente, enfrentando a comitiva de Dansk. Sua postura demonstra orgulho e uma dúzia de seus conselheiros mais próximos a acompanham naquele encontro com duas dúzias dos homens de Dansk, típicos homens do Império – altos, com ombros largos, a pele amarela, os olhos vermelhos brilhantes e dois pequenos chifres. A única diferença notável no povo de Dansk é que, com o tempo, seus chifres haviam crescido para o lado em vez de crescerem para cima.
Volúsia olha por cima dos ombros dos soldados e vê a cidade desértica de Dansk, imponente e suprema, erguendo-se dezenas de metros no ar com seus muros verdes da cor do deserto feitos de pedras ou de tijolos – ela não consegue identificar qual dos dois. A cidade é perfeitamente circular, com muralhas ao longo dos muros e, ao longo delas, soldados de guarda a cada três metros observando todas as estações e protegendo cada canto do deserto. Ela parece impenetrável.
Dansk fica diretamente ao sul de Maltolis, na metade do caminho entre a cidade do Príncipe enlouquecido e a capital do Sul, e representa uma fortaleza crucial para Volúsia. Sua mãe havia mencionado aquele lugar muitas vezes, mas ela nunca havia estado ali. A mãe de Volúsia havia dito que ninguém seria capaz de conquistar o Império sem antes conquistar Dansk.
Volúsia voltar a olhar para o líder a cidade, parado diante dela com sua comitiva, olhando para ela com uma expressão arrogante. Ele é diferente dos outros, claramente o seu líder, e carrega um ar de confiança e muitas cicatrizes no rosto emoldurado por duas longas tranças que descem até sua cintura.
Eles estão esperando em silêncio há muito tempo, ambos aguardando que o outro fale primeiro, e não há qualquer barulho exceto o barulho do vento atravessando o deserto.
Finalmente, ele deve ter se cansado de esperar e começa a falar.
"Então você deseja entrar em nossa cidade?" ele pergunta para Volúsia. "Você e seus homens?"
Volúsia o encara com orgulho e confiança sem demonstrar qualquer reação.
"Eu não desejo entrar na cidade," ela responde. "Desejo tomá-la. Vim para oferecer-lhe os termos de sua rendição."
Ele a encara por vários segundos, como se estivesse tentando compreender suas palavras, e então seus olhos se arregalam de surpresa. Ele se inclina para trás e cai na gargalhada. Volúsia enrubesce.
"Nós!?" “Nos rendermos!?”
Ele continua rindo como se tivesse ouvido a piada mais engraçada do mundo. Volúsia olha para ele calmamente e observa que os soldados que o acompanham não estão rindo – e também não parecem sorrir. Eles a encaram com seriedade.
"Você não passa de uma garota," ele finalmente diz, parecendo se divertir. "Você não sabe nada da história de Dansk, do nosso deserto e do nosso povo. Se soubesse, saberia que nosso povo nunca se rendeu. Nem mesmo uma vez. Nenhuma vez em dez mil anos. Não nos rendemos a ninguém. Nem mesmo para o exército de Atlow o Grande. Dansk jamais foi conquistada."
Seu sorriso se transforma em uma careta.
"E agora você vem até aqui," ele diz, "uma garota jovem e estúpida, vinda do nada com uma dúzia de soldados, e nos pede a nossa rendição? E por que eu não deveria matá-la agora mesmo ou levá-la para os nossos calabouços? Acho que é você quem deveria estar negociando os termos de uma rendição. Se eu a mandar embora, este deserto a matará. Por outro lado, se eu permitir que você fique, é possível que eu decida matá-la."
Volúsia o encara com calma e não vacila.
"Eu não oferecei os mesmos termos duas vezes," ela diz calmamente. "Rendam-se agora e eu pouparei suas vidas."
Ele a encara estupefato, finalmente percebendo que ela está falando sério.
"Você está delirando, garota. Você passou muito tempo sob o sol do deserto."
Volúsia continua encarando o homem e seu olhar se escurece.
"Eu não sou uma jovem garota," ela responde. "Eu sou a grande Volúsia da grande cidade de Volúsia. Soou a Deusa Volúsia. E vocês, assim como todos os seres dessa terra, são subservientes a mim."
Enquanto ele a observa sua expressão muda, passando a encará-la como uma louca.
"Vocês não é Volúsia," ele fala. "Volúsia é mais velha. Eu a conheci pessoalmente. Foi uma experiência das mais desagradáveis. Porém, posso ver a semelhança. Você é… a filha dela. Sim, é isso. Por que sua mãe não vem falar conosco? Por que ela está mandando você, a filha dela?"
“Eu sou Volúsia,” ela responde. "Minha mãe está morta. Eu mesma me certifiquei disso."
Ela olha para ela e sua expressão se torna séria. Pela primeira vez, ele parece incerto.
"Você pode ter sido capaz de matar sua própria mãe," ele fala. "Mas é tolice nos ameaçar. Nós não somos uma mulher indefesa e os homens de Volúsia estão longe daqui. Você errou em se aventurar tão longe de sua fortaleza. Acha mesmo que pode conquistar nossa cidade com uma dúzia de soldados?" ele pergunta, apertando e soltando o punho de sua espada como se estivesse pensando em matá-la.
Ela sorri lentamente.
"Eu não posso conquistar essa cidade com uma dúzia de soldados," ela responde. "Mas posso fazê-lo com duzentos mil homens."
Volúsia ergue um punho no ar enquanto segura o cetro dourado, levantando-o bem alto sem nunca tirar os olhos de cima dele e, ao fazer isso, observa o líder da comitiva de Dansk olhar por cima dos ombros dela e se transformar em uma expressão de pânico e choque. Ela não precisa olhar para trás para saber o que ele está vendo: seus duzentos mil soldados Maltolisianos acabam de subir a colina ao seu sinal e estão esparramados ao longo da linha do horizonte. Agora o líder de Dansk sabe a verdadeira ameaça que aguarda a sua cidade.
Toda a sua comitiva reage, parecendo horrorizada e ansiosa para retornar para a segurança dos muros da cidade.
"O exército Maltolisiano," o líder diz, o medo evidente em sua voz pela primeira vez. "O que eles estão fazendo aqui, com você?"
Volúsia sorri para ele.
"Eu sou uma deusa," ela diz. "Por que eles não estariam seguindo o meu comando?"
Ele agora a observa com uma expressão de espanto e surpresa.
"Ainda assim, eu não ousaria atacar Dansk," ele afirma com a voz trêmula. "Estamos sob a proteção direta da capital. O exército do Império possui milhões de soldados. Se você nos atacar, eles serão obrigados a retaliar. Você eventualmente será derrotada. Não será possível vencer. Você é tão imprudente assim? Ou será tão estúpida?"
Ela continua sorrindo, apreciando o nítido desconforto do líder.
"Talvez um pouco dos dois," ela responde. "Ou talvez eu apenas queira testar meu recém-conquistado exército e aprimorar as habilidades deles contra vocês. É apenas uma grande falta de sorte que vocês estejam em meu caminho, entre meus homens e a capital. E nada – nada – poderá me impedir."
Ele a encara e sua expressão se transforma em ódio. Mas agora, pela primeira vez, ela pode ver pânico de verdade nos olhos dele.
"Nós viemos aqui para discutir termos e nós não os aceitamos. Nós nos prepararemos para a guerra, se é isso que você deseja. Lembre-se apenas que foi você quem quis assim."
Ele de repente dá um chute em sua zerta com um grito e se vira junto com os outros, galopando de volta para a cidade com sua comitiva e levantando uma nuvem de poeira atrás dele.
Volúsia desmonta casualmente de sua zerta, estica o braço e pega uma lança curta e dourada que seu comandante, Soku, entrega para ela.
Ela ergue uma mão, sente a brisa e prepara sua mira.
Então, ela se inclina para a frente e arremessa a lança.
Volúsia acompanha a lança atravessando o ar por quase cinquenta metros até ouvir o barulho satisfatório que a lança faz ao acertar a carne humana. Ela observa com alegria quando a lança acerta as costas do líder. Ele grita, despencando de cima de sua zerta, e rola no chão do deserto.
Sua comitiva para e olha para baixo horrorizada. Eles continuam sentados em suas zertas, debatendo se devem parar para resgatá-lo. Ao olharem para trás e verem os homens de Volúsia no horizonte, começando a marchar na direção deles, eles parecem reconsiderar suas opções. Eles se viram e galopam na direção dos portões da cidade, abandonando o seu líder no chão do deserto.
Volúsia avança com sua comitiva até chegar perto do líder moribundo e desmonta ao lado dele. Quando a comitiva chega até Dansk os portões de ferro são baixados e as grandes portas duplas são fechadas atrás deles, criando uma fortaleza de ferro impenetrável.
Volúsia olha para o líder moribundo, que se deita de costas no chão e a encara com uma expressão de angústia e choque.
"Você não pode ferir um homem que veio até você em uma missão de paz," ele afirma ultrajado. "Isso é contra todas as leis do Império! Isso nunca foi feito antes!"
"Eu não tive a intenção de feri-lo," ela fala, ajoelhando-se ao lado dele, esticando o braço e tocando a ponta da lança. Ela enfia a lança com mais força no corpo do líder, sem soltar até o homem parar de se debater e dar o último suspiro.
Ela abre um grande sorriso.
"Eu tive a intenção de matá-lo."
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